O senhor das moscas: uma análise de psicologia social.

A "Tribo" de Jack no filme de 1963.
Por Wiverson Azarias, Gabriela Gervatauskas e Bruno Mussil. 

Baseado em um clássico romance de mesmo nome e escrito pot Wilian Golding, o filme "O senhor das moscas" nos narra a luta pela sobrevivência de um grupo de garotos que, após sofrerem um acidente aéreo, se vêem presos em uma ilha desconhecida. Ao se reunirem  na praia, os meninos elegem um líder (Ralph) e elaboram uma sociedade colaborativa e democrática. Nesse primeiro momento as tarefas são divididas. Parte do grupo torna-se responsável pela caça e coleta de alimentos, outra parte constrói um acampamento, e outra ocupa-se com a manutenção de uma fogueira (acesa em um ponto de considerável altura na ilha, para que assim pudesse ser avistada por algum avião ou navio de resgate). A sociedade proposta por Ralph é, no entanto, destruída após sua liderança ser questionada e após surgirem boatos da existência de um suposto monstro que habitava a ilha. Um grupo de "rebeldes", liderados por Jack, antigo líder do grupo de caçadores, é então formado. Essa nova sociedade assume características mais totalitárias, onde seus membros doam sua liberdade em nome da proteção oferecida por Jack, que promete alimentos e apresenta sacrifícios regulares ao monstro. O clímax da história ocorre quando o grupo de  Jack começa a perseguir e matar seus poucos opositores (remanescentes da comunidade anterior liderada por Ralph).

Podemos tomar de perto, em uma curta análise, os dois líderes, Ralph e Jack, e mais Simon, garoto que, sozinho, escala um dos montes da ilha e descobre que o monstro não passava de um cadáver, ao que parece do piloto de algum avião.

Ralph (à esquerda) e sua preocupação com a sobrevivência.
Ralph, o garoto que propõe a união e cooperação dos demais, pode ser visto, ao tomarmos o enredo do filme como uma alegoria, como a representação da democracia. Seu opositor, Jack, que cria uma sociedade selvagem baseada no medo, pode ser encarado como o governo totalitário. Enquanto que Simon, personagem que parece se mover por sua curiosidade representaria o pensamento religioso.

Uma das cenas impactantes deste filme é a que retrata a morte de Simon, que, após descobrir a verdadeira natureza do monstro, é assassinado pelos membros da "tribo de Jack". Estes, no momento do crime, entoando seu " grito de guerra" ao redor de uma fogueira feita na praia. Enquanto Simon retornava da colina aparentemente planejando contar aos demais a verdade sobre o monstro, é surpreendido e atacado pelo grupo de Jack, que confunde o garoto com o próprio monstro.

Ao adotarmos uma perspectiva freudiana podemos compreender, não apenas esta cena,como também aplicar uma série de conceitos desenvolvidos pelo psicanalista no enredo do filme. Ao começar pela própria união dos garotos em grupos. Este ato, como nos ensina Freud em seu "Totem e Tabu", apenas ocorre devido a existência de um projeto comum a todos (ENRIQUEZ; 1990; p.32). Com os garotos, tal projeto seria a sobrevivência, somada sempre à necessidade de serem resgatados. 

Ralph, representando a figura do líder, cria um grupo que, justamente pela sua presença e pela organização que propõe, seria, em termos freudianos, considerado como "artificial". Por este motivo, podemos dizer que cada garoto no grupo estabelecera laços emocionais (libidinais), tanto para com Ralph, como também para com os demais membros. Tais laços são de extrema importância, segundo Freud, para a formação e para a sobrevivência do grupo, pois são eles que norteiam as atividades dos indivíduos em seu interior,além de tornarem as ameaças externas menores e menos assustadoras (ENRIQUEZ; 1990).

Para o psicanalista alemão, o laço libidinal mantido para com o líder seria, aparentemente,o mais forte, pois, em muitos casos, a simples notícia da morte do líder, ou então o surgimento de suspeitas acerca da legitimidade de seu poder, seria o suficiente para a dissolução do grupo - tal como ocorre com a comunidade de Ralph, após os questionamentos feitos por Jack. 

A morte de Simon, ainda sob o olhar da psicanálise, pode ser encarada, se tomamos o "ponto de partida" de Freud em seu "Psicologia das Massas e a Análise do Eu", como um típico momento da mente grupal, em que suas emoções são maximizadas em detrimento da atividade intelectual (FREUD; 2013; p79). Por este motivo, todos os membros da "tribo" de Jack não hesitaram em assassinar o ser até então desconhecido. A menor possibilidade de se tratar do monstro, ou seja, de uma ameaça, os motivaram a agir automática e violentada. 

Ao analisarmos o enredo do filme, podemos também criar uma relação entre o personagem Jack e os pressupostos lançados pelo pensador Nicolau Maquiavel; uma vez que o garoto demonstra possuir virtú. Quando questiona a liderança de Ralph, Jack assume para si a responsabilidade por um novo grupo, e, partindo de uma posição de igualdade para com os demais garotos, assume a liderança com "forças próprias", ato este que garantiria, segundo o filósofo florentino, a aprovação popular e, por conseguinte, um bom governo (MEGALE;1993). 

A perseguição de Ralph comandada por Jack pode, por fim, também ser considerado um ato tipicamente maquiaveliano, pois, como nos indica o autor em "O Príncipe", uma vez possuído um território, o conquistador deve "extinguir a linhagem do príncipe" que o denominava anteriormente (MAQUIAVEL; 2010;p.50).

Contudo, podemos concluir que a sociedade antiutópica criada por Wiliam Golding nos auxilia a refletir questões importantes, como uma possível natureza humana, o mal inerente ao homem e o comportamento dos indivíduos em grupo. 

Referências bibliográficas

ENRIQUEZ, E. Da horda ao estado: psicanálise do vinculo social. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. 1990.

FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. Porto Alegre. L&PM, 2013.

MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo, Penguin Classics Companhia das Letras. 2010.

MEGALE, Jenuário. O príncipe de Maquiavel: Roteiro de Leitura. São Paulo. Ática, 1993.

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