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Neste texto magnífico de Sennett, ele analisa a região de West Village, em Nova York. Tal região é conhecida pela diversidade de pessoas e etnias que ali residem. Porém, vale lembrar que "variação e indiferença coexistem no Village", ou seja, embora exista tal diversidade, não significa que consigo ande, pari passo, a interação. As pessoas não interagem. Este é, talvez, um dos males efetivamente modernos das metrópoles contemporâneas. Um mal encontrado em variados cantos das grandes e monumentais cidades de nosso século. Isso porque "o individualismo moderno sedimentou o silêncio dos cidadãos da cidade. A rua, o café, os magazines, o trem, o ônibus e o metrô são lugares para se passar a vista, mais do que cenários destinados a conversações" (p.289), afirma o autor. Juntando-se, portanto, indiferença e tantos outros males modernos como as drogas, a AIDS, medo e insegurança, pronto, temos desenhado não apenas parte de Village, mas, também, parte de tantas outras metrópoles espalhadas pelo globo.
Assim, Sennett afirma que a Ágora moderna existe somente em aparência, pois a diferença separa. A diferença torna-se um desafio, pois com ela o dito saber cívico participativo é negado. É este saber cívico que o autor busca compreender questionando-se sobre a possibilidade de sua realização plena na cultura contemporânea. E é na cidade de Nova York que o autor tentará compreender tal dilema.
Richard Sennett começa, portanto, expondo detalhes sobre a formação da cidade de Nova York.
No processo de construção da cidade, os bancos ganharam destaque relevante, pois "ao invés de olhar as estrelas, seus construtores consultaram os bancos" demonstrando que, desde o início, o capital fora o grande urbanista de Nova York.
Em seguida, o autor comenta sobre o caráter efêmero das edificações novaiorquinas. Na grande cidade norte-americana as edificações são construídas com prazo de duração. Nada dura. Nada resiste ou permanece. Se permanece, é uma permanência opaca e ilusória, como podemos ver na citação abaixo:
"De todas as cidades do mundo, Nova York foi a que mais cresceu à custa de demolições; daqui a cem anos as pessoas terão evidências mais tangíveis da Roma de Adriano do que da grande metrópole de fibra ótica", argumenta.
Consequentemente, embora esse aspecto "camaleônico do tecido urbano" (utilizando as palavras do autor) demonstre inúmeras possibilidades de interpretações contrarias e favoráveis, uma coisa Sennett deixa claro "a história do multiculturalismo ganhou muito com esse tecido urbano camaleônico". Famílias de imigrantes compunham parte significativa dos bairros de Nova York. E isso fez com que novas demandas urbanas como mobilidade entrassem na ordem do dia de urbanistas como Robert Moses que aumentou o número de veias urbanas na cidade. Assim, "dotada do sistema de transporte de massa mais extenso do mundo, a cidade acabou por realizar o ideal iluminista do corpo em movimento". Este movimento desenvolvido por Robert Moses mostrou-se também perverso e cheio de intenções de poder. Sennett nos mostra que Moses tinha o intuito de desfazer a diversidade, de fragmentar seletivamente o povo. Tratava-se, portanto, de uma segregação espaço-social na qual apenas pessoas de poder aquisitivo suficiente para comprar carros é que podiam usufruir das estradas feitas como refúgio da "vida mental na metrópole" (usando aqui as palavras do sociólogo Georg Simmel).
Sennett conclui sua fala sobre Moses demonstrando que seu legado resultou em duas consequências: as forças do movimento individual advindas com a restruturação da cidade; e as dificuldades dos que permaneceram no centro urbano em "lidar com suas próprias percepções e com as sensações alheias".
Movimento Indivídual
Acredito ser essencial tratar com mais cuidado e detalhamento a questão do movimento, o primeiro legado de Moses.
Sennett explicita que o "movimento do corpo surgiu como um novo principio de atividade biológica". Tal perspectiva revela uma inclinação do pensamento urbanista, sobretudo do século XVIII, em equivaler movimento à uma vida saudável. Logo, induzir as pessoas a se movimentar era o objetivo dos urbanistas iluministas.
Porém, com o passar do tempo e o aumento das vias urbanas, movimentar-se, locomover-se, era atividade restrita aos que possuíam automóveis. E tal restrição acrescentou à vida dos indivíduos uma nova maneira alienante de seu cotidiano: a velocidade.
"A logística da velocidade (...) aliena o corpo dos espaços através dos quais ele se desloca e, por isso, considerando mínimas razões de segurança, o planejamento das vias expressas tornou-as neutras e padronizadas" (p. 295).Consequentemente, quando somamos o ato de dirigir um automóvel (atividade extremamente limitada em questão de movimentos, que são os mínimos possíveis realizados pelo corpo) mais a ideia de conforto individual (que ganhou força no século XIX), encontramos um desafio à ideia de multiculturalidade, pois "menos excitação e mais comodidade" resultam em passividade dos indivíduos perante a diferença.
O segundo legado de Robert Moses, a " dificuldade dos que permaneceram" é, resumidamente e de maneira simplista, caracterizada na ideia de "gueto", onde imigrantes vindos de muitas partes do globo, junto com negros e pobres passam a viver, conviver e sobreviver nas habitações abandonadas da cidade.
Agora, munidos de todos os aspectos listados acima (individualismo, urbanização, imigração, caráter efêmero das edificações e a solidão), podemos entender como a questão da cidadania (do ser cívico) na atualidade é entendida por Sennett. Ser cívico é, desde a origem da palavra, reconhecer um destino em comum. No mundo moderno isso deixa de existir desta maneira e passa a se apresentar de uma forma peculiar e curiosa.
Ao final de seu texto, Sennet nos chama a atenção para a maneira como nós entendemos nosso corpo. O autor afirma que uma mudança precisa ser feita nessa maneira de entendimento do corpo para que possamos nos importar uns com os outros nas cidades multiculturais (que demandam isso).
Talvez, para ele, a aproximação novamente com a compreensão religiosa seria de grande ajuda para o entendimento dos corpos.
Por fim, ao final do texto as linhas dão espaço à poesia de Sennett, que fala arduamente da dor humana como elemento de união, de reconhecimento. Reconhecer o sofrimento alheio, comum à todos, mantém a união, mantém o cívico.
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